domingo, 11 de janeiro de 2009

Da Estabilidade

Francisco de Salles Almeida Mafra Filho

Estabilidade é a condição adquirida pelo servidor concursado, após o cumprimento do período de estágio probatório, de não ser exonerado do serviço público, senão nos casos previstos de sentença judicial ou processo administrativo, com ampla defesa.A Constituição de 16 de julho de 1934 incorporou a estabilidade dos funcionários públicos ao sistema administrativo brasileiro.[1] Para os autores da época, entretanto, deve ser notado que a estabilidade dos funcionários incluía vitaliciedade. Lembram o artigo 169 da Constituição de 1934, que tratava do assunto, e concluem que somente gozavam de estabilidade os funcionários, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, nos demais casos, depois de dez anos de exercício.[2]O art. 188 da Constituição de 1946 estabelecia que eram estáveis os funcionários efetivos nomeados por concurso, depois de dois anos de exercício; depois de cinco anos, os funcionários efetivos nomeados sem concurso. Por fim, parágrafo único explicava que aos cargos de confiança e aos que lei declarasse de livre nomeação e demissão, não se aplicava o disposto no ”caput” do artigo.O texto do artigo 99 da Constituição de 1967 determinava que eram estáveis, após dois anos, os funcionários nomeados por meio de concurso. Por isto mesmo, não poderiam ser efetivados ou adquirir estabilidade, se não prestassem concurso público. Em caso de extinção do cargo ocupado pelo funcionário estável, ficaria este último em disponibilidade remunerada, recebendo vencimentos integrais, até o seu obrigatório aproveitamento em cargo equivalente. De acordo com a previsão de da Carta de 1969, durante dois anos, após a nomeação por concurso (atributo da efetividade), ou nos casos em que a lei o considerasse dispensável (art. 97, § 2º), o funcionário aguardaria a estabilidade, sendo considerado então, em estágio probatório[3]. Os estatutos da época davam maior ou menor importância ao estágio probatório, mas sua utilidade estava em permitir à Administração avaliar, no exercício do servidor, a capacitação teoricamente demonstrada em concurso.Durante o estágio probatório, o funcionário ficava sujeito à exoneração (desprovimento compulsório e discricionário), se se concluísse por sua incapacidade ou inadaptabilidade para o serviço público. Após este estágio, o desprovimento só ocorreria como pena disciplinar (demissão).[4]Importante ressaltar que surge hoje um problema até então não levado em conta. Não existiam parâmetros certos de capacitação a serem avaliados no funcionário, durante o estágio probatório. Prova disto é que, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, em 1998, emenda que condiciona a aquisição da estabilidade a estágio de três anos e com regulares avaliações de desempenho, não há parâmetro para se medir ou se avaliar o desempenho dos servidores públicos. O máximo que se pode apurar é a existência de modelos legais em que se mede o desempenho do servidor, em algumas entidades de direito público.No tocante à estabilidade do servidor público, a avaliação favorável e periódica de desempenho, é requisito essencial, de profunda implicação, no aperfeiçoamento da máquina administrativa.Sem a avaliação sistemática de desempenho, que há de ser favorável, não alcança o servidor efetivo a estabilidade.É importante anotar que às hipóteses tradicionais de perda de cargo pelo servidor estável, se acrescenta, agora, o do inciso III do art.41 da Constituição: se o servidor não comprovar desempenho favorável em avaliação periódica, estará desligado do serviço público.Até o advento da reforma, a efetividade do cargo gerava, praticamente, a intocabilidade do servidor, no serviço, porque a estabilidade era simples decorrência de tempo no cargo. A estabilidade era instituto inútil, como instrumento de aperfeiçoamento do servidor e, sobretudo, de garantia do serviço. Há de se lembrar, também os artigos 169 e 247 do Texto Magno emendado que prevêem a perda do cargo por servidores quando a despesa com o pessoal das órbitas de governo exceder os limites impostos por lei complementar.A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 é o documento positivo que trata dos limites acima referidos. O seu art. 19 determina que a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, discriminados em cinqüenta por cento, na União, e sessenta por cento, nos Estados e Municípios. Por fim, o acréscimo de um artigo ao Texto Magno é decorrente da necessidade de previsão da criação dos critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que desenvolva atividades exclusivas de Estado.O novo art. 247 da Constituição determina que as lei previstas no inciso III do §1º do art. 41 e no §7º do art. 169 estabeleçam critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo, desenvolva atividades exclusivas de Estado. Em ocorrendo insuficiência de desempenho, a perda do cargo respeitará processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa.As leis a que se refere o art. 247 devem tratar, respectivamente, do procedimento de avaliação de desempenho para a perda do cargo pelo servidor estável que exercer desempenho insuficiente e das normas gerais a serem obedecidas nos casos de perda do cargo pelo servidor estável, como conseqüência dos esforços de adaptação dos quadros ao limite de despesas com pessoal.Os servidores que forem estáveis e exercerem atividades consideradas exclusivas de Estado receberão tratamento diferenciado, no tocante à perda do cargo, nas hipóteses previstas nos arts 41 e 169 da Constituição. Serão observados critérios e garantias especiais, além do processo administrativo.A leitura das presentes disposições remete ao núcleo do instituto da estabilidade que, em uma análise histórica, realça uma inovação burocrática visando a combater a administração patrimonialista e o uso da demissão por razões políticas.A necessidade de atualização das normas da estabilidade e sua adequação aos moldes de administração gerencial levaram o estabelecimento de dois níveis de rigidez: a mais forte para as categorias que desenvolvem funções características de Estado e a mais flexível para todos os demais.O desligamento da administração pública dos componentes da primeira espécie dar-se-á por meio da falta grave ou insuficiência de desempenho, mediante processo administrativo ou judicial; para os demais, além dessas, também serão desligados do serviço por excesso de quadros ou reestruturação organizacional.O artigo 33 da Emenda considera servidores não estáveis, para o fim de adequação dos gastos com pessoal ao limite da Lei Complementar, os admitidos na administração direta, autárquica e fundacional, sem concurso público de provas ou de provas e títulos, após o dia 5 de outubro de 1983.Extrair do texto constitucional o significado exato de servidores não estáveis é requisito necessário para a aplicação deste dispositivo. O servidor não estável perderá o cargo quando, mesmo com os ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança, sendo exonerados por excesso de quadros, e, mesmo assim, os gastos não satisfizerem o limite legal (art. 169, §3º, II, CF/88). Após a exoneração dos servidores não-estáveis, continuando as despesas com pessoal superiores aos limites da lei complementar, neste momento, então, poderão ser exonerados os servidores estáveis.Buscou-se a definição de quem é o servidor não-estável. A característica da não-estabilidade contém três requisitos que são: o cargo exercido pertencer aos quadros de cada Administração direta ou indireta; o ingresso do servidor não ter sido realizado por meio de concurso público; admissão do servidor após 5 de outubro de 1983, posto que, em virtude do art. 19 do ADCT da Constituição, os servidores admitidos sem concurso até essa data são estáveis.Os servidores que reunirem estes requisitos são considerados não-estáveis e podem perder seus cargos, sem direito à indenização, nos termos do art. 169, §3º,II.Sobre o texto:Texto inserido na Academia Brasileira de Direito em 7 de janeiro de 2009.


Autor:
Francisco de Salles Almeida Mafra Filho

Advogado. Doutor em Direito Administrativo pela UFMG

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