terça-feira, 13 de janeiro de 2009

No contexto atual, só o sistema público pode expandir o crédito

Ricardo Carneiro

Diante de uma crise sistêmica que atinge a essência do capitalismo financeirizado, ou seja, as instituições e mecanismos de geração de riqueza fictícia, e cuja intensidade e alcance começa apenas a se delinear, a pergunta é evidente: o que fazer? Há uma dupla resposta à questão: a primeira, de ordem mais geral, deve se ater às possibilidades de reformar esse tipo de capitalismo, incluindo aí a redefinição das relações internacionais. A segunda, de caráter específico, precisa discutir as possibilidades do Brasil em minimizar os impactos dessa crise global e, até mesmo, buscar transformá-los em novas oportunidades. O foco desse artigo é na segunda questão.Há várias batalhas a serem travadas para minimizar os efeitos da crise e redirecionar a economia brasileira para um novo padrão de crescimento. Das questões imediatas, o crédito, a taxa de câmbio e o gasto público assumem importância crucial. Como questões prementes mas com impactos num horizonte mais longo há que se discutir as novas frentes de expansão da economia brasileira e associadas a ela, duas dimensões essenciais: como lidar com a restrição externa e qual o papel do Estado no novo modelo.Um dos fatores mais danosos à economia brasileira tem sido a parada súbita do crédito. Movidos por uma exacerbada preferência pela liquidez os bancos travaram o crédito e pouco adiantaram as medidas de injeção de dinheiro pro meio da redução dos compulsórios, permitida pelo Banco Central. Uma parcela expressiva dessa liquidez injetada na economia empoçou nas operações de tesouraria.Reconstituir o fluxo de empréstimos bancários é essencial para evitar que o consumo, o investimento e o comércio exterior continuem a se contrair. Se o Governo foi derrotado na primeira batalha, pode não perder a segunda. No contexto atual a única maneira de expandir o crédito é fazê-lo pelo sistema público. Isto induzirá o sistema privado, num segundo momento, a fazer o mesmo, sob pena de perder de maneira permanente, parte do mercado. Fica por resolver a política monetária propriamente dita: a redução rápida e substancial da taxa básica de juros seria outro requisito essencial para a expansão do crédito.No front cambial, o Governo tem agido de forma importante mas insuficiente. Prover o sistema com liquidez, em dólares, usando para isto as reservas internacionais, ou vender swaps cambiais, é necessário para financiar o comércio exterior, refinanciar temporariamente as empresas endividadas e vender proteção conta a variação do dólar, mas não restringe a atividade especulativa. O Brasil tem hoje cerca de US$ 200 bilhões em reservas que bem utilizadas poderiam promover uma relativa estabilidade na taxa de câmbio. Mas por que isto não está ocorrendo? Por conta da especulação no mercado de derivativos. Logo, é preciso intervir decididamente nesses mercados.Uma vez recomposto o crédito, e obstaculizada a especulação cambial, a política econômica teria de se preocupar com a inevitável contração do gasto privado criando, por meio do gasto público, um mecanismo compensatório a essa redução. O maior problema aqui reside na assincronia: rápido declínio das despesas privadas ante a lenta ampliação das despesas públicas. O Governo tem, contudo, nessa área, um trunfo importante. Já está autorizado para Maio de 2009 um aumento do salário mínimo da ordem de 12%. Sua antecipação para Janeiro ampliaria rapidamente as transferências do setor público para o privado e exatamente para os setores da população mais desfavorecidos aquecendo o consumo e ampliando a proteção social.A outra frente da ação do setor público refere-se ao investimento. Nesse caso há uma desvantagem evidente representada pelo baixo patamar do investimento público nos últimos anos. O desafio é aumentar esse valor nas duas esferas: nas empresas estatais e na administração pública. Cabe considerar também que o setor público, por meio do seu sistema financeiro, é o maior financiador do investimento privado no país. Decorre daí que o Governo tem a possibilidade de definir um programa de investimentos, com alta sinergia entre setor público e privado – com capacidade real de implementá-lo ou financiá-lo.A atividade de organização, ampliação e financiamento do investimento assume um caráter estratégico, pois serve de elo entre o curto e o longo prazo definindo as novas frentes de expansão da economia e um novo padrão de associação entre o privado e o público. Alguns parâmetros podem ser estabelecidos para esse programa: a necessidade de investir em infra-estrutura (econômica e social), a preocupação com a exploração de bens exportáveis, tanto intensivos em recursos naturais, como o petróleo da camada pré-sal, quanto os mais intensivos em tecnologia. Nesse último caso a necessidade de um novo perfil de negociação com as mutinacionais é imperiosa.Nesse novo padrão de crescimento, cuja implementação pode inclusive melhorar a percepção sobre o curto prazo, um constrangimento essencial terá que ser respeitado: a restrição externa. Qualquer que seja o desdobramento da crise global, a resultante será, durante um período significativo de tempo, um menor dinamismo dos circuitos comerciais e financeiros globais. Para o Brasil isto terá um significado contraditório: a necessidade e viabilidade de apoiar o crescimento mais decididamente no mercado interno, sujeito este último, na sua qualidade e intensidade, à restrição de balanço de pagamentos.

* Professor Titular do Instituto de Economia e Pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP.

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