terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Resistir às injustiças! Sempre!

Em 1982, dois anos após nossa volta do exílio, vivendo em Macapá, apresentei-me como candidato à Câmara Federal pelo PMDB. Pela primeira vez na vida, ao mesmo tempo, experimentava a sensação de votar e ser votado. Era algo indescritível, pura emoção, poder sair às ruas, reunir, conversar com as pessoas, dizer o que eu pensava da falta de liberdade, da brutalidade da ditadura que sufocou minha geração, que matou e torturou milhares de brasileiros, que levou a mim e minha companheira Janete a prisão e ao exílio. O simples fato de voltar a circular, de poder falar de reconstrução democrática, de direitos políticos, de justiça social, era motivo de intensa felicidade. Confesso que estava nas nuvens, fazer tudo que a ditadura tinha proibido durante tantos anos, era demais! Enfim o acalentado sonho do exílio se transformara em realidade, estava de volta a pátria querida, militante e lutador, para o que der e vier como na canção. Enfim vivendo entre os meus, que alegria!
Minha jornada de candidato começava muito cedo, de casa em casa, visitando os eleitores, apresentando minhas propostas, falando de como representaria o povo do Amapá na Câmara Federal. Meus interlocutores, meio desconfiados, quase sempre permaneciam em silêncio, sem muita disposição para o diálogo. Em uma manhã ensolarada de outubro, já na semana da eleição, parei na 1° de Maio, no local, onde mais tarde, seria edificada uma feira municipal. Ali havia meia dúzia de bancas que vendiam de tudo um pouco. Parei para comprar camarão. Fiz o meu pedido, enquanto o feirante pesava, tratei de puxar conversa sobre as eleições.
Então? Em sua opinião, quem serão os eleitos no domingo?
- O professor Paulo Guerra, com certeza o mais bem votado, disparou o feirante.
E os outros? Afinal devemos mandar quatro representantes à Câmara Federal.
- Bem! Acho que...
Pausadamente declinou vários nomes sem mencionar o meu, tão pouco me reconheceu, não era para menos, vivíamos os primeiros passos da redemocratização, o horário eleitoral gratuito na televisão se limitava à apresentação do curriculum do candidato acompanhado de uma fotografia três por quatro. Decidi então inquiri-lo. O que é que você acha do Capiberibe? Com um punhado de camarão na mão a meio caminho da balança o homem paralisou, em tom de confidência, me segredou:
- Ih rapaz! Fale baixo! Esse cara é perigoso. O pastor da minha igreja disse que ele é comunista, que é terrorista que se for eleito vai tomar nossos filhos e levar para um lugar, se não me engano, chamado Rússia, onde nunca mais vamos poder vê-los.
Foram-se os anos. Vivemos no tempo presente, em 2008, vinte e seis anos depois, precisamente a três dias do segundo turno da acirrada disputa pela prefeitura de Macapá. Toca o telefone, eu atendo, do outro lado da linha, uma prima minha.
- Oi Capi! Estou muito preocupada com o que estão falando do Camilo. É muito sério, acho que você precisa fazer alguma coisa. Claro que não é todo mundo, porém alguns desinformados terminam acreditando nas histórias que estão espalhando nas igrejas.
Que histórias são essas, perguntei-lhe.
- Espera um pouco, fala aqui com minha amiga que ela vai te contar. É seu Capi - retomou a amiga de minha prima - eu estou muito triste com que estão falando do Camilo. Na verdade é o próprio pastor da minha igreja que está falando essas coisas, já disse a ele que isso não é verdade mas ele não me ouve.
Afinal! O que é mesmo que estão falando do Camilo?
-Eu vou lhe falar, porém antes quero lhe pedir para não dizer que fui eu que lhe contei. Sabe! Eu não quero desavença com o meu pastor, não concordo com ele, por isso estou lhe contando, mas não quero ter problema com ele.
Tudo bem! A senhora tem a minha palavra.
- Eles estão dizendo que os irmãos não devem votar no Camilo, porque ele é macumbeiro e pertence a uma seita que sacrifica criancinhas em seus rituais. Eu sei que isso é um absurdo, faça alguma coisa, pois tem gente, não são todos, claro! Que de tanto ouvir essas histórias terminam acreditando.
Agradeci pela informação e lhe disse que falaria com o pastor. Também tratei de convencê-la que nesse caso, ela poderia fazer muito mais do que eu.
Sabíamos que desde o começo da campanha que aterrorizar as pessoas desinformadas, com boatos e mentiras, fazia parte do conjunto de ações, pensadas cientificamente e colocadas em prática de acordo com o planejamento estratégicos dos adversários de Camilo.
Concluo dizendo, ao longo de minha vida pública tive que conviver com brutais injustiças. Fui e continuo sendo vítima de todo tipo de calúnias e difamações simplesmente por insistir, e marcar posição, em defesa de uma sociedade mais justa e humana. No entanto, o que me parece absurdo é constatar que o passado encontra eco no presente, porém é bom que saibam, Camilo é um quadro político qualificado, forjado na luta, absolutamente comprometido com a melhoria da vida coletiva. Resistirá, sempre!

*João Capiberibe, ex-prefeito, ex-governador, ex-senador pelo Amapá. Atualmente vice-presidente nacional do PSB.


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